domingo, 28 de dezembro de 2014

Não-abraço

Se eu tivesse de escolher um herói terreno, não seria Superman, Ironman ou Spiderman... seria ele. Ele mal sabe, mas eu olho pra ele com olhos de admiração, de quem quer ser como ele. Pouco tempo nos separa na idade, mas o que percebo é que ele está anos-luz à minha frente. Ele me carregou no colo, me deu a mão, me ensinou a brincar; ele cresceu, eu o vi sofrer, quis segurar a mão dele - mas, por alguma razão que desconheço, nos afastamos... o tempo passou, e eu não deixei um só minuto de olhar pra ele como quem olha pro alto, como quem espera uma lição, como quem aprende observando, como quem quer pedir um abraço e sabe que não pode ter. O tempo passou e a distância só fez aumentar... uma distância que dói mais do que eu talvez seja capaz de suportar, mas eu endureço a face, reteso os músculos e finjo não sentir a dor lancinante que me afeta. E, de repente, a distância aumenta: agora, entre nós, haverá mais que os muros de proteção que criamos para impedir que a loucura da família nos acertasse em cheio. Agora, entre mim e ele, haverá um oceano, uma estação: dois continentes, dois hemisférios, mais que dois abraços entre nós a me doer.
Nesse momento palavras escorrem em gotas pelo rosto devido ao abraço que por medo não dei. Medo de desabar, medo de não saber ser sem ele, medo de não suportar a ausência física mais que a união que já não temos há anos. Medo de não saber como agir, medo de não aguentar as barras todas que estão por vir. Medo maior da saudade que certamente há de me consumir, do tempo que passará tão devagar, do amor que sei não saber conter. Medo do abraço que não dei por medo e agora me dilacera a alma, me grita por dentro, me toma de cheio. Medo vezes sete de não saber como lidar com o fato de que ele não estará no quarto em frente, não estará ao meu alcance, não estará sob minhas asas.
Mas passarinho foi feito pra voar, então que os vôos dele sejam longos, sejam belos, sejam de muito aprendizado. Que ele alce vôo e aprenda tudo que essa nova terra pode proporcionar. Que Deus e o seu Anjo da Guarda o protejam, o abençoem, guiem e iluminem cada um dos seus passos, meu irmão. Que você seja e esteja muito feliz e que seu sonho maior desencadeie outros sonhos que certamente se realizarão! Sua bênção, meu irmão, vá com Deus que eu te espero aqui torcendo por você e por todo o melhor que te espera de lá.



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Monstros

Cresci vendo os monstros por trás do álcool. Fins de festas macabros em que a cena principal que marcava o festejo era um ser que não respondia por si e nem sequer conseguia caminhar, se escornava em um balde ou coisa símile e ali passava horas até ser capaz de se mover, mas ainda não respondia por si. Outro ser, em outras cenas: agressão verbal, violência física... cenas no inconsciente que não se apagaram. Naquela época, jurei que nunca beberia; hoje bebo, mas o álcool nunca parece me afetar.

Cresci observando as falsas relações familiares dos meus e de outros. Sorrisos escusos e amarelos – não do cigarro ou do café. Horas a fio de interações fugazes e vazias. Vi a dependência tirar o melhor de muitos que me cercavam; essa incapacidade de ser só que gela a alma e torna as pessoas distantes, quando o que buscam é proximidade e calor. Naquela época, jurei que nunca dependeria de ninguém e que só amaria aqueles de direito; hoje trago em mim um calor tanto que não sinto frio.

Cresci notando as pessoas se abraçarem com falsidade, jogarem ao vento palavras sérias como se estas fossem algo qualquer. Vi tantas vezes se apunhalarem pelas costas, tantas vezes traírem os outros, tantas outras traírem a si mesmos. Assisti a pessoas que confiaram cegamente em quem acreditavam e terem a confiança desafiada e virarem pó. Vi tanta coisa ser calada porque não convinha, porque não era aceitável, porque não cabia. Naquela época, jurei não me calar; hoje meus pensamentos gritam e mal durmo, em um sono-vigília sem fim.

Cresci atinando para o descontrole, vendo tantos se perderem por não saber o melhor para si. Vi gente se enveredando por tudo quanto é caminho errado e não mais voltar. Analisei cenas sem fim de quem não sabia de si e se perdeu para sempre por aí. Naquela época, jurei não me descontrolar; hoje tenho um muro ao meu redor que não deixa nada me atingir, que não me permite o desatino.



Mas, se esse muro cair... o que será de mim?


sábado, 27 de setembro de 2014

Saravá os Erês!

"Eu quero doce, eu quero bala, eu quero mel pra passar na sua cara". Enquanto eu canto isso, Aninha me ri um riso gostoso por eu ter acordado tão feliz hoje. Diz que é pra ser assim sempre. As flores que enfeitam o altar e a luz das velas se mesclam ao cheiro doce e levantam o astral da casa inteira. A alegria grita alto (redundante e retumbante, também), como quem desperta a criança interior, que, agora, não quer mais dormir, quer brincar pela vida. E eu deixo. Deixo que brinque e que traga a doçura e a leveza. Tenho aos poucos aprendido a ser mais assim: mais amor dado de graça e com graça, mais ternura no viver, mais inocência no entender, mais liberdade para voar mais distante. Tirar minha criança interior do castigo que lhe impus por tantos anos fez de mim mais pluma, que vaga no tempo e não deixa as obrigações pesarem sobre os ombros. Deixar a alegria ter seu lugar me mostrou que os medos existem, mas eu não preciso me deixar abater por eles. E o que as crianças têm me ensinado é que o caminho é mais belo, se nos deixarmos ver as coisas com o olhar de novidade e de gratidão que elas possuem. Deixei a criança acordar e quem não quer que ela durma sou eu! Quero mais que eu possa espalhar a sutileza de seu sorriso por onde eu passar, o mel do seu beijo pra quem precisar, a brincadeira do seu carinho pra quebrar as tristezas! Saravá!

sábado, 20 de setembro de 2014

Hora do chá

Chá de camomila, por favor. Ela vai querer o mesmo.
É para já, senhor.
Desde quando você decide o que vou tomar?
Leve na conta de uma intuição, ao invés de me colocar como a possessiva que decide por você.
O que você quer dizer?
Algo me intuiu a pedir isso por você.
Você está dizendo que preciso me acalmar?
Talvez eu esteja.
Mas eu estou calma.
Talvez esse estado não dure.
O que você quer dizer?
Não sei... a gente nunca sabe o que a vida vai trazer.
Essa conversa está começando a me deixar nervosa.
Não é minha intenção. Mudemos de assunto.
E sobre o que você quer falar?
Não sei... qualquer coisa amena que não te irrite.
Você me chamou aqui pra isso?
Não. Eu te chamei aqui porque queria te ver.
Queria me ver a troco de quê?
Precisa ter algo em troca?
Se você me tirou de casa para isso, eu vou embora.
Não! Espere! Eu preciso... preciso olhar para você.
E o quê você espera ver?
Você. Seus olhos. Seu sorriso. Esse sorriso mesmo!
Qual sorriso?
Esse que você solta quando pensa que ninguém presta atenção.
E desde quando você repara isso?
Desde a primeira vez que te vi.
Com licença, senhores: o chá!
Gratidão, moço. Está bom o chá?
Sim. Obrigada pela escolha.
Não há de quê. Acho que chá cabe em qualquer ocasião.
Veio a calhar esse chá. Precisava mesmo me acalmar.
Viu? Minha intuição funcionou... o que te deixa nervosa?
Esse teu jeito de me olhar.
Que jeito?
De quem vê minha alma. De quem me conhece.
Mas eu não te conheço?
Conhece em partes, mas parece que conhece mais do que eu conto.
Não são só palavras que contam histórias.
Como assim?
Gestos, olhares, tudo diz, mesmo que você não queira dizer.
Por exemplo?
Por exemplo, quando é que você vai criar coragem e me dizer que acabou?
Acabou o quê?
O seu amor por mim.
Quem te disse?
Seus olhos, o movimento do seu corpo.
Desde quando você entende disso?
Desde quando aprendi a te entender.
E o quê você acha que entende de mim?
Muitas coisas, mas a principal é que você não quer mais estar aqui.
Se não quisesse, não estaria.
Refraseio: muitas coisas, mas a principal é que você não quer mais estar comigo.
De onde você tirou isso?
Do que você não disse, mas seu corpo sinalizou... Estou errada?
...
Você não consegue nem me responder?
Você está certa... mas... a culpa não é sua....
Não me venha com essa de “não é você, sou eu”.
Mas...
Não. Poupe-me de discursos prontos e frases feitas. A verdade é que você não me ama mais e a culpa é minha se não prendo sua atenção.
Não é bem assim...
Claro que é. Mas até agora você não disse.
O quê?
Que não me ama mais.
É preciso que eu diga?
Sim. Dá um ar de finitude.
Eu não te amo mais.
Ok. Era o que eu precisava ouvir.
Por quê?
Para conseguir aceitar e seguir. Foi bom enquanto durou. Não! Nada de frases prontas. Fui feliz com você, é uma pena. Aproveite o chá e o dia.
Você vai embora assim?
Vou. Preciso me distanciar, dar umas voltas.
E vai me largar aqui?
Preciso. Preciso ser eu a ir embora.
Por quê?
Para não te ver partir. Adeus.
Nunca mais te verei?
Quem sabe... na vida há encontros e desencontros.
Me desculpe?
Não há nada a desculpar. Adeus.

Adeus.


terça-feira, 5 de agosto de 2014

Aluamento

Dizem que são loucos aqueles que fazem as mesmas coisas repetidamente, esperando por diferentes resultados (EINSTEIN; dizem)... Eu sempre tive a plena certeza da loucura que corre em minhas veias: o histórico familiar denuncia; as atitudes - quase sempre impensadas - também. Mas, quando o louco começa a achar que a loucura está já excessiva, é sinal de que talvez mais que tantã seja. Talvez devanear tanto sobre a loucura já seja um suficiente sinal de que esta ultrapassou os limites. Pergunto-me se é caso a ser medicado, já que vejo seu rosto onde este não está. Seria um sinal da iminente necessidade de internação me pegar sorrindo pelo seu riso invisível?
Observo a loucura alheia e temo ser um dia como o que vejo, mas a realidade é que provavelmente já o sou sem ao menos perceber o quanto de insanidade vive em mim. Isso de viver múltiplas vidas é coisa típica de lunáticos: um pé na Terra, outro na Lua, presos entre dois tempos e espaços. E esse viés de quem escreve tem sempre um "teco" de sandice de quem cria estórias porque não sabe viver somente com as que a vida provê. Quiçá seja a criatividade um forma branda de doidice. Mas com tantas maneiras de enlouquecer, como saber se me enquadro na normalidade; como saber se seu toque é real? Devo me preocupar com a possibilidade de o abraço ser nada mais que uma camisa de força que, em vão, tenta me prender à realidade?
Se eu crio tantas vidas, será que você sequer existiu? Será que os beijos trocados foram reais? Será que outras antes de você eram fábula? Será que, depois de você, foram todas contos? Será que a parvoíce é tanta que eu me criei? Qual das de mim existe de fato? Qual das de mim é real?
Nesse criar sem fim, com tantas perguntas sem respostas, concluo que a loucura há muito já se instalou. Danço na corda bamba dos mundos como se não fosse possível me perder. Abraço sombras e tempos com as cordas que saem de mim. Prendo pássaros-vocês em gaiolas de vento que se esvaem nas nuvens. Estouro balões silenciosamente que certamente explodem em som em outras dimensões. Escrevo linhas sem nexo para dizer do que nem sei. Digo o não dito e não mostro nada por inteiro. Engulo em seco e faço chover no molhado. Perco-me no mundo da Lua sem a espada de São Jorge. Busco encontrar algo que não sei como buscar. Espero resultados diferentes de ações repetidas... Com tanta doidaria, será que tenho escapatória?


quinta-feira, 31 de julho de 2014

Falta

Me incomoda o vazio na estante. O espaço entre os tantos bibelôs me chama a atenção todo o tempo e não me permite observar o quadro geral e perceber a beleza da vida. A falta marca mais do que a presença - como que a saudade, espaço da ausência. Olho a estante e me perco encarando o que não está ali - mas o que é que falta?
Espalhados, os símbolos marcam o que é: em um canto, livros-saber; em outro, os elementos-vibração; no centro, anjos-conexão; acima pairam dizeres e pensamento; abaixo, caminhos. O quê, então, que não está?
Faltam ao vazio verbos de ligação: ser, estar, permanecer... Ser mais, estar de fato, permanecer por vontade. A conexão do centro do altar deveria interligar tudo ao redor, formar cadeias que se expandissem e que espalhassem... calor? Espaço que deveria ser preenchido de luz? Buraco que se abre na estante e no ser errante.
Falta amor. Está ausente a universalidade da compaixão e da bondade.
Falta ser... humano.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Caminhar

O poeta, um dia, chamou obstáculo de pedra. Pedra é também o que fica no sapato e que irrita. O ditado diz que errar uma vez é humano, mas duas, burrice. Seria três vezes caso de hospício? Sempre brinquei que a loucura corre no sangue, mas temo o dia de ela se manifestar. Essa pedra que já se interpôs tantas vezes entre mim e os meus sonhos volta a ocupar seu lugar. Já por tantas vezes parei meu caminhar, catei os seus pedaços e recomecei a construir a sua vida e a minha junto – uma vez que, sendo frágil, esta se quebrava; aspirações destroçadas em seu lugar. Da última vez, eu te avisei – eu disse e repeti – “Se você fizer de novo, eu não vou te acompanhar”. Cá estou eu diante da pedra de novo. Meus sonhos na mão, a vida se encaminhando. Pego-me pensando se refreio tudo outra vez ou se dou a louca: chuto a pedra e vivo minha vida, sem olhar para trás. Meu respeito e minha admiração ficaram ao longo do caminho, quando te vi desistir de lutar, quando vi que você se recusava a levantar. Amor é coisa que não se explica e, mesmo não te vendo mais como um dia já vi, meu peito se aperta em amor. Amor que tem tantas facetas que nem sei: amor-preocupação, de quem sabe que mais uma vez você está agindo errado; amor-devoção, de filha criada que não seria quem é se não por você; amor-ilusão, de quem te colocou em um altar, te chamou de heroína e descobriu que um dia as máscaras caem; amor-fraterno, de quem te vê como ser humano e sabe que erros virão; amor-amor, de quem ama sem motivo, porque assim aprendeu a viver... São tantos amores que mal caibo em mim e, de novo, não sei como agir. Quantas vezes terei de desistir de mim para te ter sob minhas asas? Quantas vezes vou ter de me estender no chão para merecer que me olhe sem desprezo? (Porque se não é do seu jeito não serve, não basta e todos são monstros). Pela sexta vez me deparo com a escolha de o quê colocar em primeiro lugar: eu ou você; meus sonhos ou seu tempo; minha vida ou a ausência da sua...? Pela primeira vez em quatro meses tive vontade de acender um cigarro só para observar a fumaça subir para o ar ao sair do meu pulmão. Acendi outra fonte de fumaça que não me tire dos eixos tão facilmente e não deixe dejetos em meus pulmões – de quebra, ainda ganho uma limpeza. Cinco vezes decidi por você. Cinco vezes me coloquei de lado porque “sou jovem e tenho tempo”, mas o tempo passa e já não sou tão jovem quanto um dia já fui. Vejo o tempo passando e não concretizei nada do quero para mim, não corri atrás dos meus sonhos, não tenho nada de concreto. Viver de amor seria lindo, se funcionasse além das idéias. Mas chega uma hora que até o amor tem limites, que nem ele é capaz de resolver. Dessa vez, digo e repito, escolho seguir por mim, escolho viver por mim. Não há amor que baste para superar tantas barreiras, que sobreviva a tantos atos insanos. Na verdade, até que há, mas meu amor por mim decidiu: se você vai, que Deus te acompanhe, ilumine seus caminhos e te abençoe sempre. Eu fico aqui, sorrio para esconder o pranto; mas luto por mim nesse momento, busco meu tempo e meus sonhos, porque já não posso lutar por quem não quer sair do buraco. A pedra-obstáculo virou pedra no sapato e eu não quero mais pisar em falso na vida.


Paralelo

De cada trinta coisas que quero fazer, atuo em três. De cada cinqüenta coisas que quero dizer, calo 46. O medo me paralisa, a vergonha me coíbe, a pusilanimidade me impede de seguir. Eu nem processo o pensamento e a razão já coíbe as vontades. Às vezes sinto falta de gritar, de dizer o que quero de fato, mas me guardo e olho a vida nos olhos ao invés de encarar a verdade em mim. Essa mania me consome aos poucos, porque isso de querer e não fazer acaba por deixar buracos por todo lado. A palavra não dita bloqueia a garganta e parece que só a música consegue tirar ou, às vezes, colocar as idéias no papel. A ação não tomada trava o corpo em um lugar que só é acessado quando o tempo parece parar na vida real. Na minha cabeça, digo e faço coisas que até eu mesma duvidaria; planejo atitudes; crio casos e descasos; ando depressa para conseguir concretizar tudo. No tempo do agora, espero o momento certo, que nunca acredito que chegar. Enquanto fico presa nesse entre-lugar, acredito ter perdido muita coisa. Quero dar a mão à vida e ser livre para voar. Tudo o que não faço porque algo em mim me diz para não fazer fica meio que suspenso em um tempo paralelo. O eu-paralelo ri de mim quando abaixo a cabeça ao invés de olhar nos olhos; zomba da minha sombra encurvada de quem quer abraçar e não o faz; caçoa de tudo que deixei passar; faz troça do reflexo no “espelho de Ojesed” que nunca se realiza. O eu-paralelo vive tudo o que eu queria viver, enquanto eu escrevo o que não tenho a coragem de fazer. Setenta e três dívidas internas que busco uma forma de pagar. Uma hora descubro como chegar no lugar-tempo-paralelo.


segunda-feira, 30 de junho de 2014

Ressoar

Minha casa é um tambor, quando este bate, o coração entra no ritmo. Minha alma faz barulho quando toca o atabaque. Meu corpo se levanta em dança, ainda que eu esteja sentada. O batuque me abre um sorriso involuntário. Com os olhos fechados, vejo o som estremecendo o ar, sinto o vibrar da pele pulsando com o sangue. Abro bem os ouvidos e sei de cor um samba que nunca dancei. Nada me desperta mais que o toque do percursionista. Na levada da batida, ouço um ponto e me conecto com tudo ao meu redor. O tambor é minha casa e nele resido contente. Conto as batidas no couro e no coração: são as mesmas. O toque das mãos embala os pés e vou por aí. Rápido ou lento, o tocar me leva sem rumo, mas não me perco porque o som é o meu norte, ele sempre me transporta para os lugares mais intimistas. Com o tambor, eu me conheço, sei quem sou e aonde quero ir; com ele chego às estrelas e volto sempre a sorrir. O tantã me traz lucidez e me mostra quem posso ser. Viajo com a música e estou onde devo ser. A toada me transforma naquilo que posso. Minha casa é um tambor; quando este bate, meu espírito se deleita. Sou livre quando soa o esse ritmo. Quando toca a caixa, eu não preciso de mais nada e não há problema que não se possa resolver. Envolvida pela cadência, sei o que nunca ousei perguntar. O instrumento me traz lembranças e cria coisas que só ele é capaz. Esse barulho que me eleva, põe-me os pés no chão a sonhar, põe-me os pés no chão pra lá e pra cá. No ir e vir, sou mais eu do que deixo qualquer um ver e, de repente, eu sei até mesmo dançar. O tambor é minha casa e ali eu posso morar. No tom do tanto que toca o tantã, todo o corpo começa a toar. Minha casa é um tambor e ele toca sem parar. E, no ritmo do atabaque, eu sigo bailando a vida.

domingo, 29 de junho de 2014

Reticências

Hoje me deu de escrever. Relendo velhos textos, percebi que uso as mesmas figuras, as mesmas metáforas pra dizer de você. Recorrentemente falo do seu sorriso, volta e meia digo do tecer estórias imaginárias – já que não te tenho de verdade –; sonhos, ilusão, mente insana, todos termos que definem a relação que nunca foi entre mim e você. Escrevo sem fim sobre um assunto morto que insisto em querer reviver. Parece que esse ato de colocar “no papel” as coisas que sinto tem a força anulada cada vez que o assunto é você. Escrevo para tentar tirar de mim essa vontade, mas a cada letra esta fica mais forte. Mas falta... falta você. Esse ser quase inventado, esse você ausente o qual deixa no ar reticências vazias que tento preencher, mas não há sucesso. Escrevo pelos cotovelos e digo sempre o mesmo: o não te ter. Vem então um aperto sem abraço para cada momento que escrevi e nunca foi vivido. A essa altura, chego a temer a loucura: será que você alguma vez existiu? Juro ter te visto e até já ter te sentido, mas cadê que não te acho pela vida? Enquanto sigo, sonho acordada o futuro do "sim" e vivo o "não" calada como quem sabe viver na gravidade zero, flutuando a esmo sem companhia. Não te ter me ensinou certas coisas. Ensinou-me sobre mim e sobre os pequenos prazeres de vencer debates internos e de viver comigo e só. Mostrou-me que estar só não é estar sozinha. Todavia o maior ensinamento foi sobre aprender a desistir das coisas impossíveis (sim, há de se batalhar pelas causas difíceis, mas lutar em uma guerra perdida implica dispêndio de energia e, quiçá, de vida). Foi devido a isso que decidi deixar sua imagem vagar pelo espaço sideral e desligar minha mente para as possibilidades de você - até porque elas não existem. De hoje em diante, sigo sem esperar seus olhos nos meus e espero que estes estejam livres para ver toda a beleza do que há por vir. Você: balão de hélio que se perde da mão da criança. Sua imagem: um borrão de uma memória distante. Eu: ser errante pela vida, em busca do viver.

sábado, 21 de junho de 2014

Espiral


All but a straight line. Já faz horas que essa frase ressoa em minha mente, indo e vindo entre capítulos de um livro que agora pende sobre a mesa de cabeceira. Tudo menos uma linha reta. É nisso que me pego pensando toda vez que seu rosto estoura como um balão em minha retina, queimando seu sorriso na minha visão. Quantas voltas espiralares terei de dar antes de te dizer que te quero? Quantos braços vou ter de ver ao seu redor antes de entender que você não pode ser minha? Quanto tempo terá de passar? Eu repito a mim mesma todos os dias que você não me quer do modo que eu gostaria, porém, tola, insisto em teimar que há uma chance. Minha vontade é gritar aos quatro ventos o que quero.

Eu quero mesmo é seus lábios nos meus, sua mão na minha e caminhar. Ver, conhecer e me esbaldar no seu sorriso. Eu quero saborear sua alegria e nadar nos seus olhos de mistério. Eu quero brindar cada sua vitória e ninar seus sonhos nos momentos ruins. Quero andar ao seu lado e me dizer sua para quem quiser ouvir.

Mas entre o querer e o ter existe o espaço de um infinito. Entre o desejo e o toque há um milhão de palavras não ditas que nunca chegarão ao seu ouvido. E entre o real e o imaginário, mergulho no mundo dos sonhos onde te tenho para mim.


Cenário

Nem meus sonhos eu domino mais; são tantas coisas que acho já não ser capaz de ler os sinais. Interpreto tudo como quero e, no fim, me perco sozinha na estrada, esperando pela mão que nunca toca a minha. Uma mensagem, um sorriso... é o bastante para que eu me perca em você e crie estórias tantas na minha mente. Vem o tempo e me prova, por a mais b, que cada linha que teci nesse conto foi bordada só por mim em devaneios. Eu tento entender o mundo e as coisas como eles são, entretanto as minhas criações me parecem sempre tão mais saborosas... e é com elas que me deleito, que enfrento a nua e crua verdade de que você não me quer, já que é mais fácil viver na ilusão do que enfrentar o fato de ser colocada sempre na fila das amizades. Sempre que estamos próximas, eu quero estender minhas mãos e tocar seu rosto, gravar seu sorriso com o tato e ter sempre uma flor pronta a te entregar ou um poema piegas – como se eu fosse remotamente capaz de declamá-lo. Ao invés disso, faço piadas idiotas e brincadeiras sem sentido com as quais pelo menos posso abrir uma sua risada, dessas que fazem meu mundo tremer. Com a vida e com o tempo, aprendi lições várias, mas nenhuma se aplica a você, que invade meu inconsciente como se soubesse os caminhos do meu querer. Enquanto não te tenho minha, continuo tecendo cenas que, provavelmente, nunca sairão do espaço da imaginação, mas que me bastam para seguir.


quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

(Ad)Miração

Para alcançar seu objetivo, é preciso conhecer. E assim, só assim, haverá felicidade.
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Como te conhecer se nem nos falamos? Como saber de ti se só ouço o silêncio que reverbera desde aquela última vez? Em "sonhos", vi um futuro que não pode nunca acontecer. Não faz o menor sentido. Já não pensava mais em ti desde nem sei quando. E, do nada, vem-me essa imagem, em meio a uma fuga da minha natureza, com uma certeza que assustaria qualquer um que já não lembrasse mais do que foi. Um futuro escrito em imagens aterrorizantes. Eis que pergunto às cartas e elas me respondem. Mas como te conhecer? Como ouvir quem se cala? Como entender o que nunca foi dito? Será que era conhecer-te ou conhecer-me? Será que posso chamar de objetivo algo que nunca me passou pela mente em "sã" consciência? Será que esse futuro era mesmo real? Será que as cartas estavam certas? Como obter respostas de um livro que não quer se abrir? Vi a capa, gostei. Li o título, interessei-me. Tive acesso ao prefácio e quis mais. Tentei abrir o livro, mas estava trancado. Soube da introdução por outrém e esta diz o oposto do que minha miração tentou mostrar.
As mesmas cartas me disseram pra ir em frente quando titubeei em ver-te na estante, lá atrás. Eu estiquei os braços com suspeitas e toquei a lombada como quem busca conhecer toda a história por um toque. Foi eletrizante, o livro-tu grudou em minhas mãos em um mero instante e eu já não queria largar. Mas eu não tinha a chave... Então me desvencilhei da história antes que soubesse mais coisas que me chamassem a atenção e larguei o livro de volta na estante para que o verdadeiro dono, aquele que possui sua chave, possa te abrir. Porque sua história merece um leitor digno, alguém que se encaixa em suas entrelinhas. E talvez conhecer-te seja saber que tua felicidade está em outro lugar; que teus capítulos têm outras personagens. E que a minha está em ser feliz por essas outras histórias e em perceber que aquelas imagens não passaram de conexões estranhas de um cérebro que nunca foi normal.