Despira-se dos muros e das tantas amarras que se autoimpunha para se permitir experimentar a plenitude do momento fugaz que se apresentava, do encontro ao acaso, do tempo do incerto. Era quase uma necessidade o não erguer construções estáveis antes mesmo que se pudesse erigir fortalezas. Era preciso que não soubesse aonde ia, como chegaria ou o que estaria à sua espera.
Vivera uma vida de autoimpedimentos por razões que não sabia explicar nem a si, nem aos demais; limites autoimpostos que a impediam de olhar a vida com um pouco mais da leveza que buscava para si. Ninguém nunca a ensinara a ser assim (ninguém a quem ela desse ouvidos de fato, pelo menos), mas o correr da vida a fez fechar-se de tal modo que não era fácil surpreendê-la. Os castelos todos que construíra levaram tempo até que cada tijolo fosse posto em seu lugar e uma inteira barragem de água cercasse seu entorno, de modo que, apenas após bastantes tempo, conhecimento e certeza, descia a ponte elevadiça que dava acesso ao seu interior.
Acreditava que assim seu coração estaria protegido, mas, com os anos, percebeu que não havia trincheira capaz de garantir a segurança de seus sentires.
Por isso, então, decidira não erguer sequer uma pedrinha. Havia definido para si não que estaria aberta, mas que não deixaria de se se permitir saborear aquilo que a vida trouxesse ao seu caminho. Não buscaria, pois que nem o saberia fazer, mas não se esquivaria a aproximações. Cantara ao vento a liberdade que queria sentir e aguardara.
Eis que um sorriso se lhe fora apresentado. Um que já ali pairava, mas ela não enxergara. Um sorriso que se esboçava tão grandemente que era impossível não notar sua ascenção ao olhar desnudo, e ali era possível enxergar-lhe a alma, os medos, os desejos... era possível tocar-lhe o coração. Finalmente não sabia aonde ia e, de cara, se perdia no labirinto infinito das íris claras, do âmago, da energia que dela emanava. Naquele primeiro momento, enquanto caminhavam, tocara-lhe o braço em um movimento reflexo após uma brincadeira e sentira a faísca entre corpos que se reconheciam. Algumas horas se passaram em segundos de conversa fácil, risos ternos e assuntos delicados, como quando ela lhe citou um dado passado e sentira seu coração apertar querendo abraçá-la, mas, sem saber se deveria, se conteve em consternação. Eram tantos os movimentos imprevisíveis que quisera prenunciar, tantos os atos que tencionara em tensão, liames menores dos quais ainda não se livrara. Mas sentia, sentia em demasia, sentia que poderia explodir a qualquer instante. Quando, finalmente, seus lábios se aproximaram, todas as luzes do mundo se concentraram naquele instante, naquele par que a fitava com tanta avidez. Ao toque na pele da mão que vibrava, um pré-sorriso de quem sabe que está prestes a obliterar-se para renascer e, quando encontraram-se, fora como se o tempo parasse em um eterno segundo em que cabiam apenas seus corpos. Um momento perpetuado em silêncio e sentires capazes de evocarem memórias futuras.
Descera o morro certa de que, se tivesse mantido seus muros, os tijolos teriam sido derrubados um a um.