quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Tempo-espaço

Observa no espelho uma dicotomia estranha: olham-na de volta uma velha e uma criança. A criança quer brincar, não ter problemas, viajar pelo espaço. A idosa sente falta de uma época que nem sequer viveu, quandos eram boas as músicas, melhor a vida e o tempo não corria na frente dos seres. Essa incapacidade de caber no tempo-espaço do hoje lhe inquieta, pois que parece que nunca foi, nem nunca será se não se encaixar no agora. Mas teima em não se adaptar. Não sabe como. Não sabe ter a idade que tem. Talvez nem queira. É mais fácil ignorar os problemas quando não se tem quase trinta. E o riso sai mais doce quando não se pensa em tarefas, obrigações, amores e perdas. Também mais fácil, é achar que não pertence porque seu tempo já passou. Andar devagar em um mundo caótico, com a desculpa de que já não pode se apressar. A criança no espelho gargalha a alegria, enquanto a idosa sorri nos olhos da ironia. O tempo passa e o reflexo não muda. O ato risível de se perder em memórias inexistentes de uma hora que nunca foi. A cena dos brinquedos espalhados ao redor enquanto a criança observa as nuvens no céu. Tantas formas de ser e uma fuga a olha de volta do argento. Uma ruga sobre os olhos revela o agora perdido. Estica os braços tentando alcançar o reflexo do que não foi e do que passou e dois braços lhe acenam de volta. Lava o rosto tentando se estabelecer em um presente em que não cabe. Não pertence ao agora e se questiona se quer. O relógio grita o atraso para um compromisso qualquer. Visa uma última vez o espelho e lhe sorriem a criança e a idosa. Um dia, quem sabe, acerta os ponteiros da vida.

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