domingo, 17 de novembro de 2013

Leitura dinâmica

Você me olha como se me conhecesse. Como se soubesse quem eu sou. Como se houvesse carregado o peso da minha história nos ombros. Como se sentisse o peso desses vintetantos anos. Você me olha no fundo dos olhos e eu me desfaço. Eu me entrego ali. Todas as minhas falhas e defeitos à vista. Sem querer, eu te dou de fato toda a minha história. Sem pudores, você vasculha minh'alma e descobre o que quiser. Você me olha de fora para dentro e de dentro para fora e minha voz se perde na intensidade, mas não é preciso falar. No silêncio de um olhar, você vê minhas cicatrizes internas e percebe meus medos. Sem que eu permita, você me lê. Sem me tocar, você já entende meu caminhar vacilante. Você me olha como se o tempo fosse só seu e como se você o fizesse parar. Nesse instante-infinito, você reconta mentalmente o meu viver e, de tão alto, parece um grito que só eu sou capaz de escutar. Sem pudor, você escreve minha história no ar em neon. Você me olha como quem observa o mundo do alto, a milhares de pés, mas enxerga cada detalhe. Sem lupa, você nota cada linha marcada na pele, cada ruga que antes não era ali. Você me olha como quem sabe de mim o que nem eu sei. Como quem não precisa de óculos para captar os sinais. Sem as mãos, você me sente em braile. E sem nenhum som, você me ouve em LIBRAS. Você me olha como quem descobre a tez nua sob a roupa preta. Como quem escuta cada batida no peito e já sabe de cor os percursos do sangue nas veias e artérias. Você olha como quem me abre e decifra cada nota do meu pensar. Sem papel, você anota quem sou em letras miúdas para ninguém entender. Sem caneta, você risca meu passado. Você me olha como quem quer depreender todo sentido em mim. Como quem quer memorizar os recônditos inalcansáveis para os outros. Sem permissão, você já infere os meus segredos. Sem eu deixar, você já me atina inteira. Você me olha tão imensamente que me encolho, mas é tarde: você já me tem sua.

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