segunda-feira, 11 de novembro de 2013

Etéreo

Estranho... Quando meu último cigarro se apagou, pensei em você. Pensei na última coisa que você me disse. Isso está ressoando em minha mente. Pego o maço de cigarro e me lembro de que estou sem nenhum. Bebo um copo d'água e penso no tamanho da minha vontade. Quanto ao cigarro, me recuso a sair e tentar achar algum lugar aberto a essa hora de um domingo cálido. Quanto ficou por dizer naquele último momento. Reviro minhas coisas atrás da fumaça que quero soltar porque me inebria. Não é que encontro um maço velho de um cigarro horrível perdido na gaveta mais baixa sob meus livros? Nem sei há quanto tempo ele está lá, mas acendo um e o trago desce queimando a garganta e o estômago. Maldito cigarro mentolado que te comprei naquela última noite. Abro um livro como em um ritual de perguntas e leio uma frase avulsa: "Matto forse non lo si può dire: è soltanto uno che c’è ma non sa d’esserci"*. Talvez seja bem o que nos defina: uma loucura do que foi sem saber ser. Ou do que nem foi e eu insisto em me prender. Aquela última frase retumba no meu cérebro. Não há a menor probabilidade de eu conseguir dormir com o barulho do que você disse gritando em minha cabeça. Eu nem tentaria. A fumaça sobe perseguindo o calor da lâmpada e me perco em devaneios nas imagens que dali tiro. Toda vez que abria meus olhos nos momentos mais errados, seu sorriso estava ali. A fumaça leva essa imagem e zomba de mim. Toda vez que seus braços me seguravam, seus olhos me diziam que você não queria estar em outro lugar. A fumaça explode e mais uma cena se desfaz. Observo o movimento dos carros lá fora, únicos a romperem o silêncio ensurdecedor da madrugada. As luzes tremulam e sua frase está lá. Faz tanto tempo isso. Uma eternidade de semanas. E a frase ainda está pairando aqui. Estico as mãos no escuro do meu quarto e posso ver nossos dedos entrelaçados. Um carro passa e joga a luz dos faróis e percebo meus dedos sós, tentando agarrar a fumaça. Será que fomos só isso? Fumaça que se desfaz?
* In: CALVINO, Italo. Il cavaliere inesistente.


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