Nem sempre que parto regresso. Nem sempre que vou volto. Há uma parte de mim em diversos lugares. Talvez haja também em algumas pessoas. Não sei... Essas idas e vindas da vida, além de confusas, dão muito o que pensar. Caber em um só lugar é pouco demais. Caber em muitos é difícil demais. Tem um pedaço de mim por aqui, um pedaço de mim por aí. Tem partes na Áustria, na França, na Itália - isso porque nunca fui a esses lugares. Tem partes de mim aqui pertinho e tem partes de mim lá longe. Cada parte com sua parte em uma parte do mundo. No ir, fica a saudade aqui; no vir, fica lá. No desconhecido, fica a vontade. Do coração, já nem sei: tem partes pra todo canto. Tem partes de mim fumaça, tem partes de mim nuvem, tem partes estrela e tem partes estranha. Tem partes de mim que não são minhas, mas que me deixaram, talvez sem saber. Tem partes que partem a alma, tem pedaços que despedaçam. Tem bocados desbocados, tem bocados que só se calam e tem bocados que falam muito. Tenho tantas partes que não sei ser uma só, inteira e contida. Sou várias partes e espalhada. Sou várias artes e desenhada. Vou desenhando outras partes como queria que elas fossem. Vou recontando os caminhos como eles são em mim. Tem passos para todo lado, "dois pra lá, dois pra cá". Tem "pernas pra que te quero" e quero pra pouca perna. Tem tanto eu, tanto você, tanto ele e ela... tem tanta doçura nesses despedaçares que parto e quebro inteira, mas não me dói um átomo. Tem partes de mim no espelho que nem me olham de volta. Tem pedaço meu "pra mais de metro" e tão pouco pra ficar aqui. Caibo no tempo do não e do sim, no tempo do oi e do adeus. Caibo em tanta coisa e não me caibo em mim. Tem partes de mim aqui e partes de mim aí. Tem tanta ida e vinda nas ilusões criadas que ficam partes de mim no imaginário que criei. Tem pedaço de mim que ama e tem bocado de querer bem. Tem fragmento de mim que é inocência e ato de mim em seduzir. Tem lado de mim instante e tempo de sobra em outra porção. Tem cota de mim em parcela e em prestação e tem à vista pra quem quiser ver. Tem blocos de mim que escondo e trechos que deixo ver. Tem aquilo que eu vejo e o que você pensa enxergar. Tem reflexos de mim no cristal e raios de mim no céu. Tem aquilo que concebi e o que me foi dado ao nascer. Tem pedaço meu "quininin" e tem pedaço que não cabe no universo. Tem peça de mim que odeio e encaixes que escolhi amar. Tem fração que é divisão que escolhe se doar e tem porção em multiplicação que insiste em se adicionar. tem segmento de mim que quer tudo e lote que quer desistir. Tem tanto eu pra tanta vida que nem sei mais como sou... Tem tantos issos e aquilos que nem sei mais onde estou...
sexta-feira, 6 de dezembro de 2013
domingo, 24 de novembro de 2013
Calor
Às vezes eu me esqueço da distância que nos separa. Mais que as barreiras físicas, todas aquelas outras que fomos erguendo entre nós com o passar do tempo. Do nada, sentada em um cantinho, pego-me falando mentalmente com você após ler um comentário perdido em uma rede social qualquer. Você diz do frio e eu te chamo de louca, que o calor é insuportável. Crio uma conversa inteira em que você diz que eu não sou parâmetro pra temperatura e eu respondo que todo mundo só faz reclamar do calor. Daí me lembro que você está em um lugar diverso, presa em casa pela neve... e que sequer nos falamos. Como foi que essa distância se instalou? Quem foi que deixou você partir os laços e construir muros? Nem me lembro por que brigamos. Já não consigo. Tento entender quando foi que decidimos nos afastar e deixar morrer a nossa história. E, quando penso em todo o pavimento e mar que se interpõem a nós, choro as lágrimas que não reclamei quando você me deu as costas e partiu. Agora me lembro. Eu despejei em você tanta coisa e você escolheu fugir. Trocar o telefone não seria o bastante, então você fez suas malas e foi desbravar outras partes. E entre mim e você restou o silêncio. Todas as palavras não ditas que ressoam na casa vazia. Hoje, recrio nossas histórias na memória na esperança vã de que você escute e, quem sabe, mude sua forma de pensar. O que me mata é que essa distância psicológica que criamos parece intransponível. Pego-me querendo derrubar esses muros que levantamos, você por medo e eu por teimosia. Se você não queria, eu não ia lutar sozinha. Mas e se, de repente, eu tivesse lutado? Se eu tivesse tomado um avião e ido atrás de você? Será que eu conseguiria te fazer entender que não havia motivos para medos, que estes eram infundados? Será que você quereria entender? Lá se vão tantos tempos e a poeira há muito já baixou. Mas nós pintamos uma estrada sem fim a nos separar, sem uma árvore no caminho. Para você o frio, para mim o calor desumano. Para você o tremor do temor, para mim um temporal de perguntas. E, nesse tempo sem dó, percebo que desejo a sua frieza, pois que melhor que nada seu ao meu redor. Pergunto-me o que restou. Restou essa distância, que meus devaneios cismam esquecer...
quinta-feira, 21 de novembro de 2013
Tempo-espaço
Observa no espelho uma dicotomia estranha: olham-na de volta uma velha e uma criança. A criança quer brincar, não ter problemas, viajar pelo espaço. A idosa sente falta de uma época que nem sequer viveu, quandos eram boas as músicas, melhor a vida e o tempo não corria na frente dos seres. Essa incapacidade de caber no tempo-espaço do hoje lhe inquieta, pois que parece que nunca foi, nem nunca será se não se encaixar no agora. Mas teima em não se adaptar. Não sabe como. Não sabe ter a idade que tem. Talvez nem queira. É mais fácil ignorar os problemas quando não se tem quase trinta. E o riso sai mais doce quando não se pensa em tarefas, obrigações, amores e perdas. Também mais fácil, é achar que não pertence porque seu tempo já passou. Andar devagar em um mundo caótico, com a desculpa de que já não pode se apressar. A criança no espelho gargalha a alegria, enquanto a idosa sorri nos olhos da ironia. O tempo passa e o reflexo não muda. O ato risível de se perder em memórias inexistentes de uma hora que nunca foi. A cena dos brinquedos espalhados ao redor enquanto a criança observa as nuvens no céu. Tantas formas de ser e uma fuga a olha de volta do argento. Uma ruga sobre os olhos revela o agora perdido. Estica os braços tentando alcançar o reflexo do que não foi e do que passou e dois braços lhe acenam de volta. Lava o rosto tentando se estabelecer em um presente em que não cabe. Não pertence ao agora e se questiona se quer. O relógio grita o atraso para um compromisso qualquer. Visa uma última vez o espelho e lhe sorriem a criança e a idosa. Um dia, quem sabe, acerta os ponteiros da vida.
domingo, 17 de novembro de 2013
Leitura dinâmica
Você me olha como se me conhecesse. Como se soubesse quem eu sou. Como se houvesse carregado o peso da minha história nos ombros. Como se sentisse o peso desses vintetantos anos. Você me olha no fundo dos olhos e eu me desfaço. Eu me entrego ali. Todas as minhas falhas e defeitos à vista. Sem querer, eu te dou de fato toda a minha história. Sem pudores, você vasculha minh'alma e descobre o que quiser. Você me olha de fora para dentro e de dentro para fora e minha voz se perde na intensidade, mas não é preciso falar. No silêncio de um olhar, você vê minhas cicatrizes internas e percebe meus medos. Sem que eu permita, você me lê. Sem me tocar, você já entende meu caminhar vacilante. Você me olha como se o tempo fosse só seu e como se você o fizesse parar. Nesse instante-infinito, você reconta mentalmente o meu viver e, de tão alto, parece um grito que só eu sou capaz de escutar. Sem pudor, você escreve minha história no ar em neon. Você me olha como quem observa o mundo do alto, a milhares de pés, mas enxerga cada detalhe. Sem lupa, você nota cada linha marcada na pele, cada ruga que antes não era ali. Você me olha como quem sabe de mim o que nem eu sei. Como quem não precisa de óculos para captar os sinais. Sem as mãos, você me sente em braile. E sem nenhum som, você me ouve em LIBRAS. Você me olha como quem descobre a tez nua sob a roupa preta. Como quem escuta cada batida no peito e já sabe de cor os percursos do sangue nas veias e artérias. Você olha como quem me abre e decifra cada nota do meu pensar. Sem papel, você anota quem sou em letras miúdas para ninguém entender. Sem caneta, você risca meu passado. Você me olha como quem quer depreender todo sentido em mim. Como quem quer memorizar os recônditos inalcansáveis para os outros. Sem permissão, você já infere os meus segredos. Sem eu deixar, você já me atina inteira. Você me olha tão imensamente que me encolho, mas é tarde: você já me tem sua.
segunda-feira, 11 de novembro de 2013
Silêncio
Se você não diz nada, eu crio as respostas que eu quiser. Se "quem cala, consente": o que houve foi lindo e nada mais. Não passou de uma brisa gostosa em um calor infernal. Eu crio os cenários na minha mente e faço deles brinquedos na mão de uma criança sorridente que faz do tempo circular. Brinca, diverte-se e, quando cansa, nem recolhe o artefato do chão. E depois começa do zero. O problema é que, a cada vez que ele joga, meus sentimentos pairam no ar, em um espaço do nada que não tem explicação. Se você não diz nada, a minha mente insiste em divagar. Devagar, ao longe, cria impossibilidades tão genuínas, que jamais poderiam ter lugar em uma realidade fulgaz. Calada, sigo pensando no que não disse, no que não fiz, mas sempre mais no que você não quis. Tivesse sabido antes, não teria tentado subir no maldito bonde em movimento e, assim, não quebrava a cara. Até parece. Eu sei, você sabe, todo mundo previa. Cair me parece costumaz. A diferença está no fato de que, a cada vez, levanto-me como quem aprendeu. A verdade é outra. Cometo sempre os mesmos erros e me fecho em mim. Quando me abro, certeza de que vou repetir.
Se você não diz nada, ouço o que bem entender. Se "a bom entendedor, meia palavra basta": pego as letras no balão e escrevo a música que gostaria de ouvir. Teço estórias e reconto ao vento pra ver se chegam aí. Mas ele parece que faz curva. 180 graus, de volta pra mim. A questão é que, quando chega, já não é igual. Sempre tem um ponto a mais, que, eu cismo em crer, você adicionou. E sigo tecendo a colcha de inverdades que conto a mim. Uma realidade paralela na qual o destino é feito por mim. Posso alterá-lo o quanto eu quiser e contar quantas vezes for. Mas, diante das impossibilidades, prefiro silenciar e ensimesmar...
Devaneios
Meia-noite. O eco das badaladas se espalha pela casa vazia. Faz exatamente um ano que ela se foi. O vazio grita ainda pelos recintos. Seus discos não tocam mais. Sua prateleira de livros está coberta de poeira. A gaveta de seus diários permanece sem suas letras. Ela me deixou uma mania de escrever. Compus uma carta por dia, das quais ela nunca saberá da existência. "Eu te amo". "Volta". Frases perdidas e sem alcance. Nunca entenderei o porquê da sua partida. Já se foram 366 dias. Sim, esse ano foi bissexto. Um número par de dias em que lutei contra demônios internos e não cheguei a uma conclusão. Pensei que tudo houvesse ficado para trás, que o sentimento tivesse ao menos adormecido. Então, ontem, eu vi seus pais dançando no parque. Tocava uma música de improviso, feita por uma pequena orquestra. Várias pessoas dançavam. A música era a nossa. Impossível não fazer a ligação. Senti as lágrimas escorrerem e corri quando vi que seus pais haviam me percebido ali. Percebi um sorriso antes de sumir ao virar uma esquina. Corri até chegar em casa. Corri como nunca. Quando me dei conta, precisava correr mais. Deixei as coisas em casa e fui correr em volta da lagoa. O tempo era frio e eu tremia por fora e por dentro. Arrepiada pela baixa temperatura e tomada por tantas emoções que me perdi. Quando olhei em volta, não me dava conta de onde estava. Havia deixado o circuito da lagoa e não reconhecia a redondeza. Passei por uma padaria e peguei um água de coco. Tão distraída, quase não pago. Pedi desculpas a moça que me chamou a atenção. Andei a esmo até chegar a um ponto conhecido. Corri pra casa. Ao entrar, joguei-me no sofá e me deixei ficar. Acordei para o sol e me dei conta do quanto o sentimento ainda vive em mim, ainda que eu não queira. O telefone insiste em tocar e eu me recuso a atender. Não quero saber de nada agora. Pensar em você me basta. Dormi pensando em nós. Acordei de novo e me dei conta de que não fui trabalhar. Para minha alma era feriado. Feriado de sonhos. Percebi que não. Resolvi olhar as malditas chamadas que interromperam meu pensar tantas vezes ontem. Quinze chamadas do serviço. Uma de mãe. Uma de pai. Retorno depois. Uma de um número desconhecido. Resolvi chamar, a curiosidade foi maior. O telefone tocou até cansar e fui jogada para a caixa postal. Detesto deixar recados. Estava prestes a desligar quando sua voz soou do outro lado. Decidi que estava sonhando e voltei a dormir...
Partida
Escuto os primeiros sons da manhã. É que essa noite não preguei os olhos. Em um ato de fuga, privei-me do sono pra não ter pesadelos. Esses de sempre que me perseguem. Com a sombra de todos que se afastaram. De todos aqueles de que nunca mais tive notícias. Parece que a vida gosta desses eternos encontros e desencontros. De gente que chega, cria laços e parte. Acho que nasci para ficar com meus pensamentos e a noção vaga de que tive amigos um dia. Tomo uma xícara de café pra apaziguar a fome. Mas a fome da alma nunca cessa. o sol começa a nascer e a necessidade da ação não desejada move meus pés. A rotina me escalda. Tenho ódio das coisas repetidas. E é a repetição que me assombra os dias e noites. Os movimentos iguais que performo e os adeus infundados que os outros nem dão. Gosto de ficar comigo mesma, sim. Mas cansa essa igualdade de horas eternas que batem no relógio de pulso e fazem tic-tac no meu ouvido. Tanta coisa por fazer e vontade nenhuma. Desejo mesmo vem e parte, como as pessoas que me circundam. Olho o horário e percebo o inevitável atraso que virá. É que não quero mais dar adeus...
Etéreo
Estranho... Quando meu último cigarro se apagou, pensei em você. Pensei na última coisa que você me disse. Isso está ressoando em minha mente. Pego o maço de cigarro e me lembro de que estou sem nenhum. Bebo um copo d'água e penso no tamanho da minha vontade. Quanto ao cigarro, me recuso a sair e tentar achar algum lugar aberto a essa hora de um domingo cálido. Quanto ficou por dizer naquele último momento. Reviro minhas coisas atrás da fumaça que quero soltar porque me inebria. Não é que encontro um maço velho de um cigarro horrível perdido na gaveta mais baixa sob meus livros? Nem sei há quanto tempo ele está lá, mas acendo um e o trago desce queimando a garganta e o estômago. Maldito cigarro mentolado que te comprei naquela última noite. Abro um livro como em um ritual de perguntas e leio uma frase avulsa: "Matto forse non lo si può dire: è soltanto uno che c’è ma non sa d’esserci"*. Talvez seja bem o que nos defina: uma loucura do que foi sem saber ser. Ou do que nem foi e eu insisto em me prender. Aquela última frase retumba no meu cérebro. Não há a menor probabilidade de eu conseguir dormir com o barulho do que você disse gritando em minha cabeça. Eu nem tentaria. A fumaça sobe perseguindo o calor da lâmpada e me perco em devaneios nas imagens que dali tiro. Toda vez que abria meus olhos nos momentos mais errados, seu sorriso estava ali. A fumaça leva essa imagem e zomba de mim. Toda vez que seus braços me seguravam, seus olhos me diziam que você não queria estar em outro lugar. A fumaça explode e mais uma cena se desfaz. Observo o movimento dos carros lá fora, únicos a romperem o silêncio ensurdecedor da madrugada. As luzes tremulam e sua frase está lá. Faz tanto tempo isso. Uma eternidade de semanas. E a frase ainda está pairando aqui. Estico as mãos no escuro do meu quarto e posso ver nossos dedos entrelaçados. Um carro passa e joga a luz dos faróis e percebo meus dedos sós, tentando agarrar a fumaça. Será que fomos só isso? Fumaça que se desfaz?
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