quinta-feira, 31 de julho de 2014

Falta

Me incomoda o vazio na estante. O espaço entre os tantos bibelôs me chama a atenção todo o tempo e não me permite observar o quadro geral e perceber a beleza da vida. A falta marca mais do que a presença - como que a saudade, espaço da ausência. Olho a estante e me perco encarando o que não está ali - mas o que é que falta?
Espalhados, os símbolos marcam o que é: em um canto, livros-saber; em outro, os elementos-vibração; no centro, anjos-conexão; acima pairam dizeres e pensamento; abaixo, caminhos. O quê, então, que não está?
Faltam ao vazio verbos de ligação: ser, estar, permanecer... Ser mais, estar de fato, permanecer por vontade. A conexão do centro do altar deveria interligar tudo ao redor, formar cadeias que se expandissem e que espalhassem... calor? Espaço que deveria ser preenchido de luz? Buraco que se abre na estante e no ser errante.
Falta amor. Está ausente a universalidade da compaixão e da bondade.
Falta ser... humano.

sexta-feira, 18 de julho de 2014

Caminhar

O poeta, um dia, chamou obstáculo de pedra. Pedra é também o que fica no sapato e que irrita. O ditado diz que errar uma vez é humano, mas duas, burrice. Seria três vezes caso de hospício? Sempre brinquei que a loucura corre no sangue, mas temo o dia de ela se manifestar. Essa pedra que já se interpôs tantas vezes entre mim e os meus sonhos volta a ocupar seu lugar. Já por tantas vezes parei meu caminhar, catei os seus pedaços e recomecei a construir a sua vida e a minha junto – uma vez que, sendo frágil, esta se quebrava; aspirações destroçadas em seu lugar. Da última vez, eu te avisei – eu disse e repeti – “Se você fizer de novo, eu não vou te acompanhar”. Cá estou eu diante da pedra de novo. Meus sonhos na mão, a vida se encaminhando. Pego-me pensando se refreio tudo outra vez ou se dou a louca: chuto a pedra e vivo minha vida, sem olhar para trás. Meu respeito e minha admiração ficaram ao longo do caminho, quando te vi desistir de lutar, quando vi que você se recusava a levantar. Amor é coisa que não se explica e, mesmo não te vendo mais como um dia já vi, meu peito se aperta em amor. Amor que tem tantas facetas que nem sei: amor-preocupação, de quem sabe que mais uma vez você está agindo errado; amor-devoção, de filha criada que não seria quem é se não por você; amor-ilusão, de quem te colocou em um altar, te chamou de heroína e descobriu que um dia as máscaras caem; amor-fraterno, de quem te vê como ser humano e sabe que erros virão; amor-amor, de quem ama sem motivo, porque assim aprendeu a viver... São tantos amores que mal caibo em mim e, de novo, não sei como agir. Quantas vezes terei de desistir de mim para te ter sob minhas asas? Quantas vezes vou ter de me estender no chão para merecer que me olhe sem desprezo? (Porque se não é do seu jeito não serve, não basta e todos são monstros). Pela sexta vez me deparo com a escolha de o quê colocar em primeiro lugar: eu ou você; meus sonhos ou seu tempo; minha vida ou a ausência da sua...? Pela primeira vez em quatro meses tive vontade de acender um cigarro só para observar a fumaça subir para o ar ao sair do meu pulmão. Acendi outra fonte de fumaça que não me tire dos eixos tão facilmente e não deixe dejetos em meus pulmões – de quebra, ainda ganho uma limpeza. Cinco vezes decidi por você. Cinco vezes me coloquei de lado porque “sou jovem e tenho tempo”, mas o tempo passa e já não sou tão jovem quanto um dia já fui. Vejo o tempo passando e não concretizei nada do quero para mim, não corri atrás dos meus sonhos, não tenho nada de concreto. Viver de amor seria lindo, se funcionasse além das idéias. Mas chega uma hora que até o amor tem limites, que nem ele é capaz de resolver. Dessa vez, digo e repito, escolho seguir por mim, escolho viver por mim. Não há amor que baste para superar tantas barreiras, que sobreviva a tantos atos insanos. Na verdade, até que há, mas meu amor por mim decidiu: se você vai, que Deus te acompanhe, ilumine seus caminhos e te abençoe sempre. Eu fico aqui, sorrio para esconder o pranto; mas luto por mim nesse momento, busco meu tempo e meus sonhos, porque já não posso lutar por quem não quer sair do buraco. A pedra-obstáculo virou pedra no sapato e eu não quero mais pisar em falso na vida.


Paralelo

De cada trinta coisas que quero fazer, atuo em três. De cada cinqüenta coisas que quero dizer, calo 46. O medo me paralisa, a vergonha me coíbe, a pusilanimidade me impede de seguir. Eu nem processo o pensamento e a razão já coíbe as vontades. Às vezes sinto falta de gritar, de dizer o que quero de fato, mas me guardo e olho a vida nos olhos ao invés de encarar a verdade em mim. Essa mania me consome aos poucos, porque isso de querer e não fazer acaba por deixar buracos por todo lado. A palavra não dita bloqueia a garganta e parece que só a música consegue tirar ou, às vezes, colocar as idéias no papel. A ação não tomada trava o corpo em um lugar que só é acessado quando o tempo parece parar na vida real. Na minha cabeça, digo e faço coisas que até eu mesma duvidaria; planejo atitudes; crio casos e descasos; ando depressa para conseguir concretizar tudo. No tempo do agora, espero o momento certo, que nunca acredito que chegar. Enquanto fico presa nesse entre-lugar, acredito ter perdido muita coisa. Quero dar a mão à vida e ser livre para voar. Tudo o que não faço porque algo em mim me diz para não fazer fica meio que suspenso em um tempo paralelo. O eu-paralelo ri de mim quando abaixo a cabeça ao invés de olhar nos olhos; zomba da minha sombra encurvada de quem quer abraçar e não o faz; caçoa de tudo que deixei passar; faz troça do reflexo no “espelho de Ojesed” que nunca se realiza. O eu-paralelo vive tudo o que eu queria viver, enquanto eu escrevo o que não tenho a coragem de fazer. Setenta e três dívidas internas que busco uma forma de pagar. Uma hora descubro como chegar no lugar-tempo-paralelo.