O poeta, um dia, chamou obstáculo de pedra. Pedra é também o
que fica no sapato e que irrita. O ditado diz que errar uma vez é humano, mas
duas, burrice. Seria três vezes caso de hospício? Sempre brinquei que a loucura
corre no sangue, mas temo o dia de ela se manifestar. Essa pedra que já se
interpôs tantas vezes entre mim e os meus sonhos volta a ocupar seu lugar. Já
por tantas vezes parei meu caminhar, catei os seus pedaços e recomecei a construir
a sua vida e a minha junto – uma vez que, sendo frágil, esta se quebrava;
aspirações destroçadas em seu lugar. Da última vez, eu te avisei – eu disse e
repeti – “Se você fizer de novo, eu não vou te acompanhar”. Cá estou eu diante
da pedra de novo. Meus sonhos na mão, a vida se encaminhando. Pego-me pensando
se refreio tudo outra vez ou se dou a louca: chuto a pedra e vivo minha vida,
sem olhar para trás. Meu respeito e minha admiração ficaram ao longo do
caminho, quando te vi desistir de lutar, quando vi que você se recusava a
levantar. Amor é coisa que não se explica e, mesmo não te vendo mais como um
dia já vi, meu peito se aperta em amor. Amor que tem tantas facetas que nem
sei: amor-preocupação, de quem sabe que mais uma vez você está agindo errado;
amor-devoção, de filha criada que não seria quem é se não por você;
amor-ilusão, de quem te colocou em um altar, te chamou de heroína e descobriu
que um dia as máscaras caem; amor-fraterno, de quem te vê como ser humano e
sabe que erros virão; amor-amor, de quem ama sem motivo, porque assim aprendeu
a viver... São tantos amores que mal caibo em mim e, de novo, não sei como
agir. Quantas vezes terei de desistir de mim para te ter sob minhas asas?
Quantas vezes vou ter de me estender no chão para merecer que me olhe sem
desprezo? (Porque se não é do seu jeito não serve, não basta e todos são monstros).
Pela sexta vez me deparo com a escolha de o quê colocar em primeiro lugar: eu
ou você; meus sonhos ou seu tempo; minha vida ou a ausência da sua...? Pela
primeira vez em quatro meses tive vontade de acender um cigarro só para
observar a fumaça subir para o ar ao sair do meu pulmão. Acendi outra fonte de
fumaça que não me tire dos eixos tão facilmente e não deixe dejetos em meus
pulmões – de quebra, ainda ganho uma limpeza. Cinco vezes decidi por você.
Cinco vezes me coloquei de lado porque “sou jovem e tenho tempo”, mas o tempo
passa e já não sou tão jovem quanto um dia já fui. Vejo o tempo passando e não
concretizei nada do quero para mim, não corri atrás dos meus sonhos, não tenho
nada de concreto. Viver de amor seria lindo, se funcionasse além das idéias. Mas
chega uma hora que até o amor tem limites, que nem ele é capaz de resolver.
Dessa vez, digo e repito, escolho seguir por mim, escolho viver por mim. Não há
amor que baste para superar tantas barreiras, que sobreviva a tantos atos
insanos. Na verdade, até que há, mas meu amor por mim decidiu: se você vai, que
Deus te acompanhe, ilumine seus caminhos e te abençoe sempre. Eu fico aqui,
sorrio para esconder o pranto; mas luto por mim nesse momento, busco meu tempo
e meus sonhos, porque já não posso lutar por quem não quer sair do buraco. A
pedra-obstáculo virou pedra no sapato e eu não quero mais pisar em falso na
vida.
