Por um período – desses que passam num piscar de olhos no tempo do universo, mas que duram uma eternidade, mesmo quando acabam –, recebera o mais puro afeto. Diariamente, se surpreendia com a quase reverência que lhe era dada, com o amor nos pequenos gestos e no sorriso que se lhe abria naquele rosto terno. Flagrava, pasma e de soslaio, o brilho daquele mar que se voltava em sua direção atraído por uma força que nunca pôde compreender. Via-se envolvida e protegida por braços que a erguiam como se não fosse um peso morto ou extra a ser carregado. Sentia, sim, mas não compreendia.
Quebrada por dentro, não percebia o que lhe era dado. Com um passado amargo, não sabia reconhecer aquele doce sabor. Eram tantas cicatrizes que não se via merecedora.
Por um período – desses que parecem correr contra o relógio da vontade, mas passam como em câmera lenta aos transeuntes – acreditara servir afeto.
Pegava-se assoviando melodias suaves enquanto o coração carregava a mente para os momentos delas. Preparava receitas simples, mas que sabia que eram capazes de evocar em sabor o sentimento que tinha. Gostava de grandes gestos, mas mais ainda dos pequeninos, pois entendia que era ali que se encontrava o detalhe do querer (e que era assim que o coração dela se enchia e, consequentemente, também o seu). Sentia a própria mão atraída à dela como que ligadas por um fio invisível. Fazia piadas bestas só para arrancar o gostoso som que a risada dela fazia.
Cega, não notou que também arrancava lágrimas com atos impensados. Inebriada, não viu que a raiva que direcionava ao passado refletia no presente que lhe fora dado.
O tempo passara. Tarde demais, atinou para a perda causada por ninguém se não ela. Cedo demais, viu seu coração fraquejar frente à fumaça do destino se dissipando. Cedo ou tarde, espera que a cicatriz se cure.
De tudo, pelo menos, entendeu, com ela, ser digna de afeto e amor e que guardar o coração não significa protegê-lo com muros a sete chaves, mas saber a quem entregá-lo.



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