quinta-feira, 26 de outubro de 2017

Diges(ta)ção

Enfrentar medos nunca é tarefa fácil. Dos pequenos e diários aos maiores e ocultos, deixamos – às vezes, inconscientemente – que os medos nos definam, interfiram em nossa vida e seguimos nos adoecendo junto a uma sociedade que nos torna cada vez mais doentes “no corpo, na alma e no coração”. Carregamos dores, marcas, mágoas em nós e nos apegamos a estes como definidores de quem somos, como síntese de nós. Alimentamos tudo isso, o tempo todo e vamos definhando, esmorecendo, desmanchando. De repente, nos deparamos com um espelho que se impinge frente aos nossos olhos e nos vemos obrigados a reconhecer tudo isso que permitimos que nos tornássemos. A nossa sombra se estampa e percebemos o quanto nós deixamos que ela cresça e domine, subjugando nossa luz. (Perceba: não quero dizer que nossa sombra é ruim; precisamos – todos nós – dela em nossa vida, mas até que ponto deixar que ela nos assombre é bom?). Vivemos em um meio que nos obriga a erguer muros e muros de proteção. Proteção contra o que nos invade, o que nos invalida, o que nos machuca, o que nos caleja, o que nos maltrata, o que nos tenta derrubar... nos tornamos duros e estamos distantes de todos, mesmo tão próximos.

Então, quando o espelho é colocado em nossa frente e observamos tudo isso, chega a hora de tomar decisões. O que mais precisamos é de sermos capazes de olhar pra dentro de nós mesmos com satisfação, de nos sabermos inteiros – com qualidades e defeitos – e nos sentirmos plenos e felizes. O que nos impede? A malfadada sociedade que nos conforma em modelos prontos, que nos encaixa em padrões (ou tenta), que nos sufoca e nos soterra. Ao acessar nosso inferno interior, nossa sombra, basta abrir os olhos e ver que, na mesma medida, temos céu e luz em nós. Não é fácil encarar tudo isso. Não é tarefa leve ou mesmo agradável, mas a sensação de poder com que saímos ao final vale cada enfrentamento. É preciso nos limpar, descarregar-nos, permitir-nos ver que, apesar dos pesares, a vida tem prazeres e alegrias pra buscarmos, pegarmos e aproveitarmos. Colocar para fora o que nos mata aos poucos exige trabalho interno, mas é extremamente recompensador. Longe de mim dizer que não há motivos para nos fecharmos e ensimesmarmos no mundo em que vivemos, mas, com a consciência expandida e sentindo vibrar o amor próprio, é possível perceber que há muito mais motivos para nos mantermos abertos, seres sociais que somos, e sentir o toque, o abraço, o sorriso que ajudam a aliviar cada tensão. Derrubar muros nos permite ver além e nos deixa ver o horizonte, os outros e nós mesmos nestes. Quanto temos em comum! De bom e de ruim, mas, se focarmos no primeiro, fica mais leve a caminhada; seguindo juntos, “tudo é divino maravilhoso”. Até a dificuldade se apequena. Olhar para dentro e refletir o bom e o bem do mundo nos torna mais... convictos de nós, amantes de nós, viventes – dos que de fato vivem, e não apenas passam – do mundo em que habitamos e que nos habita. Somos magos, médiuns, bruxos, médicos de nós mesmos e temos, todos, o poder nas mãos de descobrir nossas forças em nossos âmagos e usufruir disto da melhor maneira possível. Renascemos a todo momento e devemos aproveitar isso para nos refazermos sempre melhores. Somos parte do todo e o todo é parte de nós. “Todo és mi familia”


terça-feira, 24 de outubro de 2017

Tecer-se

Sempre fôra água: fluidez, movimento, emoções. Acostumada a ser água, sempre se deixara ir. Nessas de ir, nunca se fixara em si.
Recentemente, fez-se terra: contato, raiz, permanência interior. O contato com o chão de terra socada avermelhada moveu seu sangue e, enfim, pôde ver-se, sentir-se, saber-se. Brotou das rachaduras bela-bruta flor de sorrir; subiu pó no ar com o vento para alegriar-se; pulsou e deixou pulsar, levando, na batida cadenciada, para dentro de si, cores que os olhos nunca antes notaram; fincou-se em si, como âncora, absorvendo a plenitude e a totalidade de ser. 
Em ser terra, lambrecou-se de vida, sujou os pés de fé e, ao respirar, deixou que os terremotos das mudanças internas fizessem ruir o muro que não permitia aproximações: de repente, viu-se cercada de calor, de luz. Em ser raiz, teceu-se em paz com Deus, com a vida, consigo mesma; entrelaçou-se em novos olhares, novos sentires, novas percepções; deixou que os seres se emaranhassem e não os afastou.  Em ser chão, viu-se fecunda, pronta a receber. Não desperdiçou as tantas águas, semeou-se de amor e regou-se. Flor e ser, florescer. Crer e ser, crescer. Ser e ser, ser-se