domingo, 28 de dezembro de 2014

Não-abraço

Se eu tivesse de escolher um herói terreno, não seria Superman, Ironman ou Spiderman... seria ele. Ele mal sabe, mas eu olho pra ele com olhos de admiração, de quem quer ser como ele. Pouco tempo nos separa na idade, mas o que percebo é que ele está anos-luz à minha frente. Ele me carregou no colo, me deu a mão, me ensinou a brincar; ele cresceu, eu o vi sofrer, quis segurar a mão dele - mas, por alguma razão que desconheço, nos afastamos... o tempo passou, e eu não deixei um só minuto de olhar pra ele como quem olha pro alto, como quem espera uma lição, como quem aprende observando, como quem quer pedir um abraço e sabe que não pode ter. O tempo passou e a distância só fez aumentar... uma distância que dói mais do que eu talvez seja capaz de suportar, mas eu endureço a face, reteso os músculos e finjo não sentir a dor lancinante que me afeta. E, de repente, a distância aumenta: agora, entre nós, haverá mais que os muros de proteção que criamos para impedir que a loucura da família nos acertasse em cheio. Agora, entre mim e ele, haverá um oceano, uma estação: dois continentes, dois hemisférios, mais que dois abraços entre nós a me doer.
Nesse momento palavras escorrem em gotas pelo rosto devido ao abraço que por medo não dei. Medo de desabar, medo de não saber ser sem ele, medo de não suportar a ausência física mais que a união que já não temos há anos. Medo de não saber como agir, medo de não aguentar as barras todas que estão por vir. Medo maior da saudade que certamente há de me consumir, do tempo que passará tão devagar, do amor que sei não saber conter. Medo do abraço que não dei por medo e agora me dilacera a alma, me grita por dentro, me toma de cheio. Medo vezes sete de não saber como lidar com o fato de que ele não estará no quarto em frente, não estará ao meu alcance, não estará sob minhas asas.
Mas passarinho foi feito pra voar, então que os vôos dele sejam longos, sejam belos, sejam de muito aprendizado. Que ele alce vôo e aprenda tudo que essa nova terra pode proporcionar. Que Deus e o seu Anjo da Guarda o protejam, o abençoem, guiem e iluminem cada um dos seus passos, meu irmão. Que você seja e esteja muito feliz e que seu sonho maior desencadeie outros sonhos que certamente se realizarão! Sua bênção, meu irmão, vá com Deus que eu te espero aqui torcendo por você e por todo o melhor que te espera de lá.



segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Monstros

Cresci vendo os monstros por trás do álcool. Fins de festas macabros em que a cena principal que marcava o festejo era um ser que não respondia por si e nem sequer conseguia caminhar, se escornava em um balde ou coisa símile e ali passava horas até ser capaz de se mover, mas ainda não respondia por si. Outro ser, em outras cenas: agressão verbal, violência física... cenas no inconsciente que não se apagaram. Naquela época, jurei que nunca beberia; hoje bebo, mas o álcool nunca parece me afetar.

Cresci observando as falsas relações familiares dos meus e de outros. Sorrisos escusos e amarelos – não do cigarro ou do café. Horas a fio de interações fugazes e vazias. Vi a dependência tirar o melhor de muitos que me cercavam; essa incapacidade de ser só que gela a alma e torna as pessoas distantes, quando o que buscam é proximidade e calor. Naquela época, jurei que nunca dependeria de ninguém e que só amaria aqueles de direito; hoje trago em mim um calor tanto que não sinto frio.

Cresci notando as pessoas se abraçarem com falsidade, jogarem ao vento palavras sérias como se estas fossem algo qualquer. Vi tantas vezes se apunhalarem pelas costas, tantas vezes traírem os outros, tantas outras traírem a si mesmos. Assisti a pessoas que confiaram cegamente em quem acreditavam e terem a confiança desafiada e virarem pó. Vi tanta coisa ser calada porque não convinha, porque não era aceitável, porque não cabia. Naquela época, jurei não me calar; hoje meus pensamentos gritam e mal durmo, em um sono-vigília sem fim.

Cresci atinando para o descontrole, vendo tantos se perderem por não saber o melhor para si. Vi gente se enveredando por tudo quanto é caminho errado e não mais voltar. Analisei cenas sem fim de quem não sabia de si e se perdeu para sempre por aí. Naquela época, jurei não me descontrolar; hoje tenho um muro ao meu redor que não deixa nada me atingir, que não me permite o desatino.



Mas, se esse muro cair... o que será de mim?