Ela havia sido muito precoce. Na segunda série, com 8 ou 9 anos, “matava” a hora de aprender hinos na escola para se encontrar com Caio perto da piscina da escola e trocar beijos. Ela não tinha ideia do porquê de estar ali, de como isso impactaria sua vida futura ou mesmo de que, com aquela idade, deveria estar mais preocupada com outras coisas, como brincar, mas, com preguiça de tudo aquilo que não era nada demais arrumou uma desculpa qualquer sobre aparelhos para que os encontros cessassem. Antes disso, já lidava com a “paixonite” do garotinho Conrado que não a deixava sossegada no jardim de infância e que tirou a mãe do sério para encontrar um presente para sua adorável seja-lá-o-que-ela-fosse quando esqueceu da celebração dos seus 6 anos na escolinha. Aos 10 anos, dividia-se entre Guilherme e Charles nas aulas de Tai Chi e parecia não se importar com o fato de que ambos gostavam dela, mas ela, de fato, não gostava de nenhum. Aos 11, Nathan lhe dera a primeira – e única – joia que um rapaz lhe daria, no dia dos namorados durante a terceira série. Em algum momento, algo dentro dela mudou e ela decidiu que não participaria mais dessas ações vazias. Quando chegou à adolescência e todas as suas amigas viviam apaixonadas por algum rapaz e todos os jovens planejavam quem iriam beijar na próxima festa, ela simplesmente participava do teatro do crescimento como quem apenas olha. Não se interessava de fato por nada ou ninguém e, quando a fagulha acendeu, ela obviamente decidiu silenciar. A “primeira” vez que ela deu um beijo – ou como fazia todos crerem – foi entre os 15 e 16 anos por pressão do alvo real de seu interesse e para provocar a tal garota que mexia com ela de uma maneira que ela sequer entendia. Era um Carnaval, festa no interior, o rapaz, sem nenhum atributo, disputava a atenção de todas as garotas, inclusive a de que ela gostava. Entregou-se a um beijo sem vontade inconsciente de que fazia isso mais pela atenção da garota que do garoto Joãozinho. Passou todos os demais dias do Carnaval com o rapaz, no que, mais tarde, tornar-se-ia quase uma tradição de se “casar” em eventos. Seguia não sentindo nada nos beijos e pegações, mas, pelo menos, fazia isso com apenas uma pessoa. Não que ela tivesse preconceito com quem “pegava geral”, mas, se tinha de passar pelo martírio de fazer algo sem vontade, que fosse sem ter de fazer toda a dança e a cena do pré-qualquer-coisa a cada hora. Passou três anos indo e vindo do que se pode chamar de um relacionamento com ele, apresentou à família e tudo, detestando cada minuto daquela peça. Depois dele, tiveram outros; fofocas para contar para as amigas e nada mais. Houve o rapaz do show de axé com as amigas, com que também se “casara”, afinal de contas, quem vai a um show de axé e fica com um mesmo cara a noite toda, cara esse que disse que ia ao banheiro e voltaria e, pasmem, realmente voltou. Não foi em um Carnaval, mas o clima certamente se adequava. Houve também o rapaz da viagem com as amigas para a praia. Ele foi enrolado por uma noite inteira e voltou na noite seguinte; na falta do que fazer e frente à pressão social do que se espera de uma adolescente, beijou-o na segunda noite. Todos os outros dias do Carnaval foram também com ele, que a buscava em casa, levava em casa, a acompanhou para a cidade vizinha, famosa pelo forró; a sorte dela é que, no final do Carnaval, cada um foi para a sua cidade e ela não teve mais de lidar com ele. Naquele Carnaval falara com as amigas sobre a sexualidade do irmão em uma vã tentativa de que elas a compreendessem. Talvez tenha sido ali que desistiu não só do Carnaval, mas de tentar agradar aos demais, de tentar caber em algo que não combinava com ela. Passou os próximos Carnavais em casa, feliz de não ter de passar por desprazeres sem fim. Passou também os próximos muitos anos sozinha; vez por outra fingia idealizar algum rapaz para que o círculo de amizades não a considerasse uma completa estranha.
Levou um bom tempo para que retornasse a qualquer tipo de celebração carnavalesca e, quando o fez, trocou as ruas da cidade que começavam a ter movimento por retiros espirituais. A essa altura, já havia se encontrado, já estava em paz consigo, já havia até mesmo dado o que ela passou a considerar como o primeiro beijo, já que esse sim envolveu vontade e prazer. Mas ao longo de tudo isso, tornara-se uma pessoa mais fechada, menos propensa a festividades, então preferia passar por esses períodos com as Medicinas e com os ensinamentos. Havia passado por um rápido “primeiro” relacionamento – não era o primeiro, mas contava como se fosse – e por um segundo – marcado por toda sorte de problemas que a deixaram danificada para o futuro – quando um amigo a convenceu a ir a um Carnaval de rua. Um dia apenas, ela dissera, e a princípio assim foi. Curtiu com os amigos um dia inteiro, usou e abusou de várias substâncias, voltou para casa e dormiu. Mas seus planos para aquele dia tinham sido frustrados; o Carnaval havia acabado, porém seu coração não parava de batucar por um afeto que crescia antes mesmo de ter lugar. Quando o amigo insistiu para que fosse para o pós-Carnaval – a ressaca antes que a vida voltasse aos eixos – disse que não iria, mas mudou de ideia ao se encontrar com ela em um muito que arranjado piquenique que não ressoou com as batidas do coração que acelerava ao ver aquele sorriso. Como manda a tradição, “casou” também naquela festa, naquele Carnaval, mas foi a primeira (e única) vez que gostou do casamento, em que cada beijo ressoava uma batida de tambor no coração.

