Em tempos de balanço, navega em um mar revolto, sem ter capacidade de ver o horizonte. A ausência de raízes a atormenta todo o tempo, e ruma silente ao desconhecido, sem saber o que há de encontrar. Eis que torna-se uma pessoa arredia, que dista de tudo e todos porque não sabe gritar o que está preso na garganta. Afoga-se em atividades mil para não ter que pensar e acaba por não fazer nada do previsto porque a mente não cala. Dormir já não cabe há muito: se acordada, custa a cair no sono porque são muitas as vozes internas; se finalmente adentra o sonhar, é perseguida por monstros - próprios e do mundo - que não permitem descanso. Vaga nas horas sem sequer se dar conta das próprias ações, mal responde por si. Incapaz, o cansaço a toma e pasma pelos dias. O não-lugar existencial que por vezes a arrebata ganha força na ausência de um espaço real onde possa se fixar. Sem um chão, plaina pelo espaço da vida sem nenhuma certeza de si ou dos próximos passos. Tudo isso a altera de modo pungente. O estresse da ausência de si em si gera ausências de si em todos os espaços por onde passa; já não mais trabalha bem, já não mais se porta bem, já não mais se apresenta, já não mais tem vontades e desejos. Finge se importar e sorri um sorriso vazio para que ninguém note a diferença; está sem estar. Tanta ausência implica a solidão contumaz a que já se acostumou e, sem se dar conta, navega rumo a uma ilha, onde não há contato com o mundo. No escuro, chora a inépcia de ser e, não vendo futuro em nada, pesa consigo a validez de jogar tudo pro alto e simplesmente, por não se importar o bastante, seguir vazia rumo ao vazio. Se não o faz, é por ausência de coragem e por temor das consequências e pelos que ficam. As horas passam vazias de si e de qualquer coisa que julgue meramente pertinentes. Refugia-se nas sombras - próprias e do mundo - para não ter de ver a luz e não ter de enfrentar o rosto no espelho e perceber o quanto envelheceu em tão curto espaço de tempo. Abandonou-se à deriva e respira apenas porque o ato é automático. Cumpre tarefas sem ter ideia do resultado e não se importa com este. Lânguida, aceita o que tem e já não luta por mais, apesar de saber que deveria querer. Nota a incompletude das coisas que já quis tornar melhor, mas se dá por, despretenciosamente, satisfeita porque não sabe mais buscar. Apenas espera o tempo passar, sem ter esperança de que as coisas se resolvam e sem forças para fazê-las acontecer. Apenas vaga entre cômodos ignorando as vozes mentais que porventura surgem para iluminar. É que não vê a luz mais, nem no fim do túnel, nem no prédio vizinho. Segue entorpecida, enebriada pela tempestada que se forma nos pensamentos. Parece fazer tudo ao contrário do que deveria. Como se quisesse dar força à massa destrutiva que a rodeia, testa cada limite à beira do impossível e se joga em todos os precipícios que surgem no caminho. A autodestruição sempre fôra sua arma mais poderosa e parece ser dificil não usá-la em tempos como este. Cega, não tateia o solo, apenas anda e cai. Cai o bastante para não mais querer levantar. Observa a não concretização de cada coisa que espera e se agarra aos "nãos" que a vida lhe joga na cara. Vive como se não fosse haver um novo dia, porque quase pede para que não haja e espera que o Universo se encarregue disso. Aparentemente, seria mais fácil. Solução pronta para tudo que não consegue resolver. O remédio do tempo parece nunca surtir efeito e as dores se acumulam na cabeça, no corpo, na alma. A cada dia, fica mais pesado levantar da cama, manter a vida em curso, salvar as relações já estremecidas. Caminhar se tornou um hábito automático; do contrário, estaria parada no mesmo lugar.
Quanto ao amor, parece não ter nem mais por si mesma. E finge estar tudo bem, mas percebe que, já algum tempo, viraram - ela e a outra - dois rios estranhos. Parece que, com o passar do tempo, as águas das duas teimam em fazer troça. Onde antes os rios fluiam, paralelos e em contato, em calmaria, forma-se hoje pororoca que deságua e se perde em um mar infinito. Quem observa de fora vê dois rios; quando aproxima-se, o espelho reflete amor. Quem visita as margens pode tocar as águas e nelas se banhar. Quem mora nos rios, por outro lado, conhecendo suas profundezas, sabe que o risco de transbordar é iminente e que, por baixo da calmaria, há um turbilhão que remexe as lamas profundas das águas, tornando-as turvas.
Se um braço de um rio penetra o outro sem aviso, de repente, este toma a ação em atentado e responde criando uma onda que reverbera até a nascente. O amor das águas está em desvairio e qualquer tentativa de fluir com leveza causa furor e tormenta. Um rio sofre e chora a seca que não consegue mitigar e a distãncia que surge a os ilhar. O outro parece não mais fazer caso de habitar as outras águas. Em átimo, o rio tenta ístimos, mas, como em sismos, a terra treme criando uma dorsal. Águas que antes corriam juntas, são agora rios intermitentes que cismam em não se encontrar.
Quanto ao futuro - de si, do amor, da vida -, já não espera nada, já não planeja nada, já não vê mais possibilidades. Sem asa, sem casa e sem si, apenas observa as voltas dos ponteiros sem esperança de mudanças. Apenas caminha a esmo, sem enxergar um palmo à sua frente, e tenta levantar com cada sol que se ergue no horizonte, sonhando com uma noite eterna para não mais ter de ver seus sonhos explodindo como bolhas de sabão. E, se não grita, é porque não tem voz, porque foi calada pela vida, porque acha que ninguém há de ouvir.
