A luz atravessa a fumaça como quem desbrava florestas e queima minha pele. Meu corpo está fatigado, sinto dores em toda parte de mim: interna e externa. Caminho a esmo no espaço de dois por dois como se corresse uma maratona que sei que não vou vencer, mas insisto em tentar. Meus pulmões ardem pelo câncer que sugo do canudinho e pelos seus restos que estão no ar. Minhas pernas têm cãibras de tanto andar e correr e me perder em um espaço impossível para tal. Meu coração queima e aperta em um infarto que certamente se aproxima. Meus pés só se movem porque o cérebro os obriga, uma vez que, já cansados, sangram a dor de não ter para onde ir. Presa nesse quarto, observo esse ser que não sou eu, fazendo as vezes de mim. O que caminha no quadrado da loucura não sou eu, apenas a pior parte de mim que se destacou e aceita o trotar dos cavalos no cubo que lhe cabe. O temor da hereditariedade bate forte: eu nunca quis que a insanidade me coubesse, mas ali naquele espaço ela faz parte de mim e se mostra como quem ri desdenhosamente do meu medo e do meu eu. Meus olhos estão vermelhos e secos porque nem capaz de chorar aquele ser é. Minha garganta está seca e arranha a cada som que tento emitir. O ser que se desfaz dissipa um único som: "Preciso resolver isso". Como um disco arranhado, repito a frase e ela ecoa no espaço vazio. Vazio. "Preciso resolver isso". Vazio."Preciso resolver isso". Vazio. A frase bate nas paredes e volta para me acertar em cheio. Ela ecoa eternamente na minha mente e no espaço manicomial. Caminho, corro, fumo e me destruo mecanicamente entre as nuvens que produzo e que, como eu, não têm para onde escapar. Uma voz externa ressoa: "Você tem visita". Por um segundo, creio que possa ser alguém que vai me tirar dali. Chego a esboçar um sorriso.
Quando ele entra no meu espaço, sem pedir licença e com um olhar de desprezo, é como se correntes saíssem do chão e me prendessem. O cigarro cai da minha mão e eu não consigo me mover. Os únicos músculos que se movimentam são os involuntários e os que me permitem mexer os olhos. Estes, perdidos, vagueiam pelas paredes e fogem do encontro com o olhar do visitante. É difícil encarar a causa dos males, mais difícil ainda é olhar para frente e me ver tão claramente no seu olhar de repulsa. Sinto que ele me analisa, observa cada milímetro destruído do meu corpo, escrutiniza minha alma e tira suas óbvias conclusões: "Até quando você vai se autodestruir?". Ele quer saber do cigarro, das marcas, do tempo. Ele quer ouvir que eu sou capaz de largar tudo que eu mesma me imponho pra ver se pode me tirar dali. O problema é que só eu posso me tirar dali, com ou sem o consentimento, o aval ou a permissão dele. Eu sei bem o que pode me libertar de mim e dos males todos que me obrigo. Eu sei muito bem e desconfio de que ele saiba pelo menos em parte, mas prefira fingir que não vê porque assim é mais fácil esquecer que não sou o que ele sempre esperou. Eu sei bem e minha vontade é gritar, mas as correntes que ele criou com a força do frio pensamento não me permitem.
Internamente, eu grito, eu esperneio, eu soco a verdade na cara dele, mas, por fora, o corpo segue imóvel. Ele observa um pouco mais, levanta-se e diz que está pronto pra ir. Quando ele vira as costas, as correntes enfraquecem e, em um último suspiro, grito o que o pode atingir: "Quando eu puder ser eu mesma, isso virá naturalmente!". De onde estou, caio imóvel no chão como uma risada do destino em querer me mostrar que morro antes desse dia chegar.
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Acordo em prantos. Foi só um sonho. Só um sonho. Tudo está bem, foi só um sonho.
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Pesadelo?
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Vida real?



